É difícil de acreditar, mas quando descobri que existiam, comecei a me sentir especial. Que tempos distantes. Hoje vejo o quão engraçadas eram os meus momentos de criança, preocupações que não cabiam para o momento. Achava que nunca iria encontrar um homem para me casar, e não fazia idéia do que eu iria fazer para ganhar a vida. Bobagens de uma criança, pois vejo que deveria ter brincado muito mais com minhas bonecas e vídeos-game, ao ter me angustiado com problemas tão distantes.
Era tão pequena, mas parecia que o peso da responsabilidade já havia chegado. Na terceira série do ensino fundamental, ficava preocupada se eu iria conseguir passar no teste do DETRAN, na época não sabia dar nomes aos bois, mas sabia que este teste existia e desde criança pedia ao meu pai que me ensinasse a dirigir, ele ria com minha inocência e de vez em quando me deixava girar o volante, hoje sei o que é dirigir e particularmente preferiria não ter aprendido.
Tenho vagas lembranças desta época mais sei que desde pequenina, Klatinrie já existia em algum lugar, pois ouvia vozes. Tinha aproximadamente quatro anos quando ouvi pela primeira vez, vozes bem distantes no quintal de minha casa. Lembro-me de uma mangueira e uma bananeira que tínhamos plantado em nosso quintal, e que amava ficar correndo por volta delas com a cachorra de minha irmã, a Jude (filhote de pastor alemão). Foi neste lugar, incrivelmente que comecei a achar que eu tinha algo de especial, pois quando contei a minha mãe, ela não me deu ouvidos e falou que eram coisas da minha cabeça, que brincar era melhor, e falar menos também. Como são engraçadas estas recordações, pois lembro muito bem das vozes e dos quadros que via, e naquela época meus pais não me deixavam chegar perto da televisão, como eu poderia ter tido tamanha imaginação?
Aproximadamente, cinco anos depois comecei a distinguir o eco que a minha voz interior emitia em mim mesma e as vozes estranhas que por algum motivo suspeitava que não fossem minhas. Foi ai que enlouqueci de vez. Comecei a freqüentar a igreja católica, não pelas vozes, mas pela própria educação exigida pelos meus pais. Com as idas a igreja e o conhecimento do evangelho eu comecei a imaginar que era Jesus que soprava vozes ao meu ouvido. Acreditei nisso fielmente e desacreditei nas vozes estranhas.
Minha família mudava muito de casa, o tempo passou, conheci muitas pessoas diferentes, foi ótimo para meu aprendizado. São tantas pessoas que conhecemos ao correr de nossa vida, são tantas idéias diferentes, pensamentos diferentes, que temos que nos permitir a abrir nossa mente para apenas absorver aquilo que irá nos agregar conhecimento. Lembranças ruins nós devemos esquecer, deixe espaço apenas para as boas recordações, e quantas tenho...
Tudo estava aparentemente normal em minha vida, estava terminando o ensino fundamental, já havia mudado o estilo do meu cabelo, ou melhor, me obrigaram a mudar, o usava de lado, mas todas as outras alunas o dividiam bem no meio, uma amiga me perguntou se ela poderia pentear o meu cabelo, pois na opinião dela, eu estava diferente do normal, pois então deixei mudar, faz parte da vida, mudanças, vou lhes dizer a verdade, odiei o diferente, mas acostumei, parecia que aquela pequena mudança me tornava parte do grupo medíocre que comecei a participar. Graças a Deus, não fiquei por muito tempo naquela escola, como mudava de casa, mudava também de escola, e fui para outra, eu diria, “menos” pior! Na verdade, era um horror, não achava um alguém que se identificasse comigo, e lá também era a mesma moda, cabelo no meio e tênis da moda. Como que todas aquelas crianças estavam educadas a serem fúteis? Que pena! Mas como o horror não dura eternamente, conheci minha primeira e única amiga, a Tália, grande amiga que me acolheu durante o tempo que estive com ela. Ela acompanhou os meus primeiros momentos em tudo o que uma adolescente poderia ter. Linda e inocente, o tempo pouco nos distanciou.
Mudei novamente de escola, agora cursando o colegial em uma escola pública de São Paulo. Tudo era diferente, um cabelo mais louco do que o outro, todos os tênis engraçadíssimos, de marca não eram, mas eu me sentia em uma verdadeira escola, a escola da vida aonde cada um vivia sua vida da maneira que quisesse do estilo que escolhesse, era uma segunda casa para mim, gente inteligente, esperta, com malícias das ruas. Muito aprendi nesta escola, e sofri junto com eles, por carregar no currículo um ensino médio concluído em uma escola pública, tão rejeitadas pelos tolos, que ilusão da sociedade, gostaria que os fúteis tivessem a experiência pelo qual passei e quão doces essas lembranças são.
Até que um domingo à tarde eu parei para assistir um programa de televisão. A apresentadora perguntava a atriz se ela alguma vez na vida teve um amigo imaginário, a atriz respondeu que não, e a apresentadora achou engraçado porque em sua infância ela teria um “fantasminha” amigo. Amigo que ela contava tudo, seus segredos, sonhos, desejos. Fiquei pasma, parecia que a tecla replay tinha sido apertada, tantos anos se passaram e era como se fosse ontem, vozes aos meus ouvidos. Para a apresentadora, o amiguinho dela escutava e dava conselhos e tinha até um nome. Decidi que teria uma amiguinha para mim a Klatinrie e não demorou muito para que ela retornasse, com a mesma voz de quando eu era criança hoje ela me mostra algo diferente, inusitado, eu diria que me abre os olhos para o que é a vida. Quando me deito à cama, ora fico a paisana ora ela se conecta comigo.
Foram tantas as vezes que duvidei da existência dela e quantos leigos duvidam. Sempre que sofro por amor ou dor ou simplesmente estou sem nada a fazer ela aparece e revela através das minhas escritas coisas da vida que eu deveria prestar mais atenção. São as mais diversas escritas de amor, ódio, planos superiores, o mundo, atitudes, são tantas que decidi publicá-las.
Nos momentos mais difíceis da minha vida, ao ler estas reflexões que Klat (permito-me chamá-la por seu apelido carinhoso) me proporciona, parece-me alimentar a alma de paz e sabedoria. Aliás, este é o propósito de estarmos neste plano, adquirir conhecimento para desenvolvermos nosso espírito, e encher nossa alma de alegria e paz. Não podemos deixar que as mágoas, tristezas e rancores nos dominem, isso é muito ruim. E por mais atentada que seja uma criança nunca devemos mentir para elas. São tão inocentes e puras que muitos não sabem que elas também sofrem por mentiras. Lembro-me nessas horas de Rubem Alves, em uma de suas obras ele nos conta como foi sua infância. O quanto que os adultos o assombravam com histórias inexistentes. Quando era criança, o levavam para uma mata fechada e diziam a ele que existia um menino abandonado, gritavam pelo menino e os ecos do grito diziam ao Rubem que era a voz do pequenino abandonado. Como era criança e não sabia o que era Eco, ele dormia assustado todas as noites. A alma também se atormenta com mentiras, como diz Rubem Alves “a alma não sabe o que é isso, o não existir. Aquilo que é sentido existe. A alma é um lugar assombrado onde moram as mais estranhas criaturas que, sem existirem, existem.